A Inconstitucionalidade do artigo 1.790, do Código Civil
Pessoas que vivem em comunhão estável, não raro, ainda nos consultam para saber se têm direito sobre a herança de seus falecidos companheiros e, em caso positivo, qual seria a sua participação sobre os bens deixados.
Esclareço, antes de prosseguir, que esse artigo é apenas um estudo e tem caráter estritamente informativo, portanto, não tem o objetivo de formar opinião nem de esgotar o tema.
Começo fazendo aqui um breve parêntese para esclarecer o que é a união estável para o nosso ordenamento jurídico e, para tanto, dou alguns exemplos de situações que não caracterizam, por si sós, a união estável:
- namoro por longo período de tempo ou noivado, por si só, não caracteriza união estável;
- a compra de um imóvel em comum, por si só, não caracteriza união estável;
- ter filhos em comum, por si só, não caracteriza união estável.
Pois bem, a união estável, de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), artigo 1.723, é definida da seguinte forma:
“Art. 1.723 – É reconhecida como entidade familiar a união entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
É importante que se esclareça que os requisitos contidos no artigo 1.723 devem estar todos presentes, para que se caracterize a união estável, muito especialmente, “o objetivo de constituição de família”. Os deveres de “lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos” também são exigidos dos companheiros, de acordo com o artigo 1.724, do Código Civil.
E a união entre dois homens e duas mulheres, é reconhecida como união estável? A resposta é “sim”. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 05/05/2011, a ADI 4.277 (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e a ADPF 132 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), reconheceu a união estável para casais de mesmo sexo.
O ordenamento jurídico brasileiro zela pela família, por essa razão, a Constituição Federal (a Lei Maior), prevê o seguinte em seu artigo 226, “caput” e §3º:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(…)
- 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
O regime de bens que vigerá na união estável – salvo se houver contrato escrito entre as partes dispondo de outra forma – será o da comunhão parcial de bens (artigo 1.725, do Código Civil).
A comunhão parcial de bens funciona, salvo as exceções previstas em lei, na forma como consta do artigo 1.658, do Código Civil: os bens adquiridos pelo casal durante o casamento se comunicam; os bens particulares não se comunicam.
Tratemos, agora, do casamento.
Aplicando-se a regra contida no artigo 1.658, do Código Civil, em casos de morte de pessoas casadas pelo regime da comunhão parcial de bens:
- a) o(a) cônjuge sobrevivente terá direito à meação dos bens adquiridos pelo casal durante o casamento;
- b) quanto à sucessão legítima – portanto, quanto àquela porção não disponível dos bens particulares do(a) cônjuge falecido(a) -, valerá o que está determinado pelo artigo 1.829 e seus incisos, do Código Civil, a saber:
I – o(a) cônjuge sobrevivente herdará em concorrência com os descendentes do falecido;
II – não havendo descendentes, o(a) cônjuge sobrevivente herdará em concorrência com os ascendentes do falecido;
III – não havendo descendentes nem ascendentes, o(a) cônjuge sobrevivente herdará todos os bens particulares do falecido.
Ocorreu que, por razões que não se pode entender, o Código Civil de 2002, na contramão de todo o acima exposto, quanto à união estável, ao tratar dos direitos do(a) companheiro(a) à sucessão do(a) companheiro falecido, criou um tratamento desigual e prejudicial, completamente diferente do que há para pessoas casadas, determinando o seguinte, no artigo 1.790:
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”
O Supremo Tribunal Federal, verificando que o artigo 1.790, do Código Civil, afrontava as disposições contidas no “caput” dos artigos 226 e 5º, ambos da Lei Maior, reconheceu, em 2017, a inconstitucionalidade do artigo 1.790, ao julgar os Recursos Extraordinários nºs 878.694/MG (Tema 809) e 646.721/RS (Tema 498), fixando a seguinte tese: “É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”.
Concluindo, os companheiros têm direito à meação dos bens adquiridos durante a união estável e, quanto à legítima dos bens particulares, serão aplicadas aos companheiros, tanto quanto aos cônjuges, as regras contidas no artigo 1.829 e seus incisos, do Código Civil.
Em 17/01/2022, por DANIELE NAPOLI.
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DANIELE NAPOLI, advogada graduada em 1994 pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, pós graduada em Direito Processual Civil e Direito Civil, é sócia desde 1996 do escritório de advocacia NAPOLI – ADVOGADOS, fundado em 1993 pelo advogado Dr. FRANCISCO NAPOLI, advogado graduado pela Universidade de São Paulo – USP em 1965, especialista nas áreas de Direito Empresarial e Tributário.
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